Tudo começa a ser aprendido já na gravidez e segue com aulas intensivas, 24 horas por dia, para o resto da vida depois que seu filho nasce
Texto Cíntia Marcucci. Reportagem Ana Paula Pontes e Simone Tinti. Fotos Gustavo Lacerda
Final da quarta temporada deSex and the City. Na penúltima cena, Carrie chega ao hospital para visitar Miranda, que acabara de dar à luz. Na maternidade, ela segura o bebê e sua voz diz ao fundo. “E assim a vida chega e as coisas começam a mudar”. Então ela devolve o bebê Brady aos braços da mãe, que fala: “É esquisito. É como se, de repente, tivessem colocado uma girafa nesse quarto”.
A frase traduz o sentimento de Miranda. Ela acaba de ser contratada oficialmente para um cargo que não faz ideia de como exercer, o de mãe. Mesmo assim, sente que aquilo é muito grande, muito importante e vai ocupar um espaço tremendo da sua vida. Como uma girafa que mal cabe dentro de um ambiente fechado.
Por mais esperado que seja um bebê, é quase certeza que você e toda mãe se pegaram – ou se pegarão – pensando como Miranda: “E o que eu faço agora?” Ao longo do resto da vida essa mesma pergunta se repetirá milhares de vezes, nem sempre com resposta. O questionamento faz parte da maternidade, uma coisa tão dinâmica quanto viver em si, que muda constantemente e com a qual você aprende a lidar dia após dia.
Não é à toa que o tema fascina e intriga um monte de cientistas, que pesquisam as mulheres e seus filhos para tentar entender – e explicar – como elas se tornam mães. E motiva um outro tanto de mães que tentam entender a si próprias e compartilham suas ideias em inúmeros livros, blogs e afins. O grupo da ciência descobriu recentemente que o nosso próprio corpo é o primeiro a dar uma força para que as mulheres consigam lidar com as novas tarefas da maternidade. Ainda que você não tenha “sintomas”, o seu cérebro (pasme!) cresce logo depois que o bebê nasce. Nada a ver com tamanho. O que ocorre é um aumento nas ramificações dos neurônios que agiliza o processamento das informações.
Isso quer dizer que, cada vez que você se preocupa com o bem-estar do seu filho (como na hora do banho), essas novas conexões do seu cérebro se fortalecem. Quem conseguiu traduzir essa transformação cerebral foi um grupo de pesquisadores norte-americanos do National Institute of Mental Health, liderados pela neurocientista Pilyoung Kim, mãe de um bebê de 5 meses e meio e, por isso, conhecedora dessa ciência na prática. Eles compararam os cérebros de 19 mulheres no período de até quatro meses depois do parto e registraram alterações em áreas ligadas à motivação, estímulos sensoriais e raciocínio – e tudo ocorre por causa de hormônios, como a ocitocina, a prolactina e o estrógeno. “Para mim foi interessante, pois descobri o que acontecia comigo mesma, quando deixava de fazer minhas coisas para cuidar do meu filho”, disse Pilyoung à CRESCER.
O QUE VOCÊ GANHA COM A MATERNIDADE - Passa a apresentar mais empatia pelo próximo, por ter mais facilidade em se colocar no lugar do outro do que antes. Assim, pode ficar mais preparada para lidar e gerir pessoas em outras situações. - Todos os dias seu filho a coloca em situações inusitadas. Além de aprender a lidar com imprevistos, você passa a perceber que há coisas que fogem de seu controle. Até a capacidade de adaptação ganha com isso. - Você vai se tornar multitarefa. Portanto, aproveite sua habilidade em fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas tome cuidado para não se sobrecarregar e ficar com a sensação de não ter feito nada direito. |
Instinto materno? Se, por um lado, saber que seu cérebro muda concretamente é curioso e fascinante, claro que não é só de mais sinapses (a comunicação entre os neurônios) que se faz uma mãe. O lado psicológico também se modifica bastante durante a gravidez e os primeiros meses após o parto em prol da maternidade. “A mulher tem uma regressão psicológica para se sentir novamente um pouco bebê, lembrar de experiências, identificar-se com o novo ser. Por isso ela fica mais carente, sensível e insegura”, explica a psicóloga Carmen de Alcântara Oliveira.
A sociedade e a cultura encarregam-se de sua parte: a menina aprende desde cedo a cuidar do outro. Brincar de casinha, como explica a psicanalista infantil Anne Lise Scappaticci (SP), é um exercício imaginativo da criança, um “treino” para o futuro. “Ela repete com a boneca os exemplos que vê em casa. Durante a brincadeira, reverte a perspectiva, ou seja, não é a filha que tem que obedecer, mas quem dá as regras”, diz. Sem perceber, a menina já adquiriu parte do conhecimento da maternidade. A essa altura você já deve estar se perguntando sobre onde entra, então, o instinto materno.
Bem, essa coisa de instinto é polêmica. Mesmo aparecendo no discurso de dez entre dez mães, esse “sentimento” já mobilizou a dedicação de diferentes especialistas, de antropólogos a filósofos, como a francesa Simone de Beauvoir, que há mais de 30 anos questionou o instinto materno. Seguidora de suas ideias, a socióloga francesa Elisabeth Badinter procurou respostas sobre o tema ao escrever Um Amor Conquistado – O Mito do Amor Materno (Ed. Nova Fronteira). Para ela, a figura da mãe é construída na convivência com o bebê. Para outros especialistas, como a antropóloga Mirian Goldenberg (RJ), não é que ele inexista: “Ocorre que questões culturais costumam ser mais determinantes e podem, por vezes, anular o que seria instintivo. Na China, por exemplo, algumas mães cuidam melhor dos filhos homens porque eles são mais importantes para o sustento da família”.
Isso não quer dizer que você tenha só que seguir a razão, o senso comum ou mesmo as estatísticas, e ignorar o que sente. Rosimeire Rossi, 46 anos, mãe de Maria Fernanda, 21, percebeu um carocinho na cabeça da filha quando a menina tinha 8 anos. Achou que algo estava errado, mas não era o que os médicos diziam. Só depois do oitavo especialista conseguiu com que o caroço fosse retirado e analisado. “Minha família achava que eu estava neurótica, ou que não tinha o que fazer por ficar procurando alguma coisa.” Dez dias após a cirurgia, ela levou a filha para tirar os pontos e descobriu que o tal carocinho era um tumor maligno, um tipo de câncer raro e muito agressivo. Hoje, Maria Fernanda está curada.
Mas será que isso tem mesmo a ver com o instinto ou essa ligação toda de Rosimeire com a filha teria sido construída ao longo de todo o tempo – oito anos mais nove meses na barriga – que já haviam passado juntas? E que isso poderia ocorrer também com uma mãe adotiva, um pai, duas amigas muito ligadas ou pessoas que se amam e se conhecem há muito tempo? Para muitos especialistas, o nome desse sentimento, que não é exclusivo entre mãe e filho, é intuição. “É um tipo de conhecimento como qualquer outro. Ele tem fundo afetivo, vem em decorrência do instinto, do inconsciente e não tem nada de sobrenatural”, afirma a psicóloga Virgínia Marchini (SP), especialista no tema que ministra cursos e palestras para que até empresas saibam usar a intuição no ambiente de trabalho. Esse conhecimento, sabemos, a mãe adquire com a convivência, criando vínculos, participando da vida do filho, prestando atenção em como ele é.
Independentemente do nome que se dê para esse sentimento, as mães têm liberdade absoluta para o usarem com seus filhos. Para isso, de acordo com Virgínia, é preciso que a mulher conheça a si mesma, aprenda a se ouvir. Assim, ela vai saber discernir o que é intuição do que é medo e do que é desejo.
SEU CÉREBRO EM TRANSFORMAÇÃO Quando o bebê nasce, a cabeça da mulher também muda. O cérebro passa por transformações iniciadas pelas liberações de hormônios no parto e na amamentação. As áreas ligadas à motivação, aos estímulos sensoriais e ao raciocínio ficam mais ativas, ajudando nas tarefas do dia a dia. |
Sempre na mira
Conhecer-se é importante também para não ficar perdida no meio de tantas opiniões e conselhos. Quando você se torna mãe, acaba tendo não só a si própria, mas o resto do mundo prestando atenção no que faz. Como se você entrasse numa espécie de GPS alheio. “Eu me sinto julgada o tempo todo. Esses dias, fui a um festival de jazz com meu filho e meu marido. Quando começou a escurecer fui embora e tive de ouvir duas moças que eu nem conhecia me chamarem de irresponsável por levar uma criança lá. Só por que tenho filho e tem um festival à tarde, eu não posso ir?”, conta Andréia de Oliveira Brevitali, mãe de Luigi, 2 anos.
Seja qual for a situação, você não sabendo o que fazer, ou, como Andréia, já tendo tomado uma decisão, vai haver sempre quem pense diferente e expresse seus palpites. Sua mãe diz uma coisa, sua sogra, outra, seu pediatra não concorda com nenhuma das duas. Amigas, parentes e até quem você nunca viu tem alguma “dica” sobre a educação, a saúde e tudo que envolva crianças, mesmo se não tiver filhos. E fale a verdade: você pode até não verbalizar, mas também está sempre avaliando outras mães.
Em um trecho do bem-humorado livro Eu Era uma Ótima Mãe até Ter Filhos (Ed. Sextante), as norte-americanas Trisha Ashworth e Amy Nobile reproduzem um depoimento sincero de uma das mais de 100 mães que entrevistaram. “Uma das minhas amigas voltou a trabalhar logo depois de ter bebê. Pensei: ‘Ela poderia ter pelo menos aproveitado a licença-maternidade, é uma péssima mãe’. Eu a recriminei mas, na verdade, estava era com inveja.”
Esse monte de atenções voltadas para você somadas às suas próprias – e muitas vezes exageradas – expectativas para ser perfeita e ao peso natural do cotidiano podem ter um certo efeito explosivo. O estouro vai certamente ocorrer por alguma bobeirinha e ninguém à sua volta vai entender, muito menos seu marido e seus filhos. Como isso é normal e mesmo compreensível, o melhor a fazer é não esquentar demais a cabeça. Peça desculpas se gritou com alguém e veja o que dá para fazer para liberar seu estresse de outra maneira, antes de explodir. Das páginas do livro de Trisha e Amy vêm uma história engraçada, que pode até virar uma dica. “Às vezes deixo o leite acabar de propósito para ir ao supermercado sozinha mais tarde. Dirijo devagar, abaixo as janelas do carro e curto um pouquinho a solidão.” Confesse: você também já teve vontade de fazer isso, não?
CONEXÃO REAL E CONSTANTE Seja por instinto, por intuição ou por conhecimento, os vínculos entre mãe e filho são mesmo dos mais fortes que podem existir. Essa ligação fica ainda mais concreta com o tempo e com o relacionamento entre os dois. E muda conforme vão surgindo os novos desafios da maternidade. |
Mulher-Maravilha
Você pode ser mãe em tempo integral, trabalhar fora, pode ter babá, deixar na creche, pode ter ajuda da sua mãe ou morar longe da família. Mas se vive no século atual, compartilha com todas as mulheres que têm filhos uma sensação constante de culpa. Por trabalhar mais do que acha que deveria, por se preocupar com coisas “menores” como ficar em forma, por não ter certeza se escolheu a melhor escola, por não gostar de cozinhar, por não poder viajar nas próximas férias, por ter parado de amamentar cedo ou por descobrir que sua filha adolescente tem o pé feio como o seu – por que foi o seu gene ruim que ficou e não o do pai, que tem os pés lindos?
Aí aparece na internet aquela famosa, linda, poucos meses depois do bebê nascer, que cuida do filho e ainda namora. E você se sente frustrada e culpada. A realidade é que essas mulheres têm ajuda de babás, mesmo que isso não seja noticiado. E a beleza é parte do trabalho delas, mas não do seu.
Dito isso, falta saber por que a culpa não deixa você em paz. De acordo com a antropóloga Mirian, isso apareceu no meio do século passado, quando os modelos de maternidade começaram a ser questionados e a relação entre filhos e pais mudou. “Antes a convivência se baseava na autoridade paterna e materna e no efeito imediato das coisas. Com a evolução da psicologia e da psicanálise, passou-se a avaliar o quanto cada ação poderia refletir para o resto a vida de uma criança. Isso é bom por gerar muito mais reflexão, mas traz junto a culpa.”
Ana Priscila de Oliveira, mãe de Lara, 3 anos, mora longe da mãe e da sogra e lembra como se sentiu em uma das primeiras noites em casa com sua filha, culpada por não conseguir resolver um problema do dia a dia: “Uma noite ela chorou tanto de cólica eu não sabia mais o que fazer. Então meu marido acordou e pegou ela do meu colo. Eu nunca vi algo mais extraordinário, ela parou de chorar instantaneamente e dormiu. Em seguida deitei na cama e chorei o resto da noite achando que ela não gostava de mim”.
Na visão da psicóloga Carmen a culpa materna é fruto da sociedade ocidental e da cobrança da mulher em ser perfeita. “Não adianta a mãe estar em casa com a cabeça em outro lugar. É preciso ter paciência com seus erros, eles fazem parte do aprendizado, e os filhos vão aprender a lidar com isso e com as frustrações.” Ela também lembra que há a tendência da mulher achar que só ela sabe fazer determinada tarefa e, assim, não permitir que o marido conviva, ajude de verdade. Isso acontece na sua casa? Pare, reflita e, se for o caso, tente mudar esse comportamento. A família toda, começando por você, vai agradecer.
Donald Winnicott, o mesmo psicanalista e pediatra inglês que, em 1956, definiu o termo “preocupação materna primária” (um período de intensa sensibilidade que permite à mãe identificar a hora certa de dar de mamar, o significado daquele choro e o jeito do bebê se expressar), coloca que a mãe suficientemente boa é aquela que pode garantir alimento, afeto e tranquilidade ao filho. Já a mãe perfeita... isso nem Winnicott nem nenhum outro especialista descreveu, mas deve ser porque ela não existe. E porque cada mãe cresce e se transforma a cada dia, junto com seus filhos. E eles podem ter 30 anos, mas você continuará sempre aprendendo a ser a mãe deles.
De volta ao episódio de Sex and the City, última cena. Após sair da maternidade, Carrie anda pelas ruas de Nova York com seus pensamentos. “Talvez nossos erros sejam o que faz nosso destino. Sem eles, como construiríamos nossas vidas? Se nós nunca saíssemos da linha, nunca teríamos filhos, ou nos apaixonaríamos, ou seríamos quem somos.” E Miranda, como todos que veem a série sabem, nunca tinha sonhado em ter filhos. Mas ela erra, se descabela, e se sai bem como mãe. Como a melhor mãe que ela pode ser para Brady.
A CULPA É DE QUEM? Na cabeça da mulher que é mãe, não há dúvidas: em se tratando dos filhos, a culpa é sempre dela mesma. Esse sentimento está relacionado à cobrança que as próprias mulheres se impõem de ser perfeitas e de não querer que as crianças sofram nunca. Para os filhos, porém, a frustração também faz parte do aprendizado. |